O Building Information Module (Modelagem de Informação da Construção), ou BIM, já é amplamente utilizado na construção civil. No entanto, esta tecnologia também pode trazer grandes avanços também para o setor ferroviário.
Para entendermos mais sobre como utilizar o BIM nas ferrovias e o que falta para o Brasil aproveitar mais dessa ferramenta no setor, conversamos com Washington Luke, Diretor Acadêmico do Master Internacional em BIM Management para Infraestruturas, Engenharia Civil e GIS da Zigurat Global Institute of Technology.
Continue lendo nosso artigo abaixo e tire suas dúvidas sobre o BIM nas ferrovias!
O que é e quais são as aplicações do BIM na construção de ferrovias?
“O BIM pode ser definido como um conjunto de políticas, processos e tecnologias que se interagem gerando uma metodologia de gerenciamento do fluxo das informações que perpassam todas as fases do ciclo de vida da obra de uma edificação ou de obras lineares de infraestrutura, como rodovias, ferrovias, saneamento, etc”, explica Luke.
Segundo o especialista, “podemos classificar o BIM como um dos pilares da transformação digital da construção civil 4.0. Na verdade, podemos afirmar que o BIM é a construção digital de uma construção real.
De acordo com ele, “Uma das grandes vantagens de utilização do BIM em projetos de engenharia é a possibilidade da Simulação da Construção como se fosse um jogo de videogame, tipo Xbox ou PlayStation.”
Seguindo em sua analogia com videogames, Luke comenta que a diferença do BIM para tais consoles é “a capacitação técnica dos jogadores e as regras do jogo.”
Ele prossegue: “Em geral, os jogadores BIM precisam cursar faculdade de engenharia para adquirirem os conhecimentos das disciplinas de projeto, tais como fundações, topografia, geometria, terraplenagem, drenagem, pavimentação, sinalização, entre outras. Ainda, os jogadores BIM também necessitam de conhecimentos de normas técnicas da ABNT e de outras entidades para a realização de projetos ferroviários.”
Falando especificamente sobre o uso do BIM no setor ferroviário, o representante da Zigurat Global Institute Technology destaca que são diversos usos que a ferramenta possibilita no segmento. Ele explica:
“Com o uso de tecnologias IoT, conjugado ao emprego de sensores (acelerômetros), podemos monitorar a vibração de pontes ferroviárias para avaliar a sua estabilidade estrutural e prevenir possíveis colapsos estruturais por falta de manutenção.”
Luke complementa: “Um sistema desses poderia ter evitado o que aconteceu na cidade de São Paulo, em novembro de 2018, onde o viaduto da marginal Pinheiros cedeu devido ao colapso de um pilar de sustentação da estrutura.”
O especialista cita ainda outras tecnologias que, em conjunto com o BIM, podem trazer avanços para as ferrovias nacionais, como no uso de gêmeos digitais.
“O BIM possibilita o desenvolvimento de uma representação 3D digital de uma construção real. Então, combinando os modelos do BIM às informações coletadas pelos sensores IoT e à análise de dados, forma-se a base de um gêmeo digital. Os gêmeos digitais podem ser utilizados para fazer o monitoramento e propiciar a manutenção dos ativos ferroviários em tempo real”, observa ele.
Quais os benefícios do BIM para ferrovias?
Falando mais sobre os benefícios que o BIM oferece ao setor ferroviário, Luke observa que ele “garante assertividade e previsibilidade, características essenciais para o desenvolvimento do setor da construção civil”, diz ele.
O especialista continua: “A partir de sua implantação e conexão a um ecossistema tecnológico, é possível ter projeções claras e seguras sobre cada projeto.”
Nosso entrevistado também destaca algumas normativas que já incentivam o uso do BIM para ferrovias. São elas:
- “A nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021) que institui o uso preferencial do BIM para projetos de engenharia e execução de obras públicas, tanto para edificações como para obras lineares de infraestrutura (rodovias, ferrovias, etc);
- O Marco Legal do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020) que prevê investimentos da ordem de R$ 700 bilhões em 10 anos, com a soma de esforços públicos e privados, até 2033;
- A Estratégia BIM BR (Decreto 9.983/2019) que apresenta um plano de difusão e implementação do BIM no Brasil de forma escalonada, passando pelas fases de projetos, obras e manutenção, até 2028.
Com relação ao setor ferroviário, temos uma importante iniciativa do governo federal que foi a instituição do Marco Legal das Ferrovias (Lei 14.273/2021) que na prática está fazendo uma abertura de mercado para investimentos pela iniciativa privada.”
O especialista prossegue, destacando que, “para as ferrovias, podemos dizer que os benefícios do BIM aparecem na conexão de equipes, fluxos de trabalho e dados em todo o ciclo de vida da obra, desde o planejamento, projeto, construção até a fase de manutenção e operação das linhas férreas.”
Luke também comenta que o BIM “proporciona redução de erros de compatibilidade, otimização dos prazos, maior confiabilidade dos projetos, processos mais precisos de planejamento e controle de obras, aumento de produtividade, diminuição de custos e riscos e economia dos recursos utilizados.”
Ainda de acordo com ele, os benefícios atingem tanto os investidores quanto o Poder Público. Luke explica:
“O BIM aumenta a confiabilidade nas estimativas de custos e no cumprimento dos prazos, reduz a incidência de erros e imprevistos, garante uma maior transparência no processo de compra e confere maior qualidade às obras. Além disso, pode ser aplicado em todo o ciclo da construção. As informações agregadas ao modelo virtual proporcionam ao proprietário eficiência na gestão e manutenção de ativos.”
O que falta para o Brasil utilizar o BIM nos projetos ferroviários?
Falando sobre o avanço do uso do BIM no setor ferroviário brasileiro, Luke observa que ainda há desafios, mas que esses podem ser superados com a cooperação de todos agentes envolvidos no segmento.
“O BIM não envolve apenas a utilização de um software ou de uma tecnologia, mas algo muito mais abrangente: um modelo de gestão da informação. Desta forma, é necessário a colaboração e integração entre todos os envolvidos, incluindo empresas privadas, governo, universidade, pessoas, dentre outros”, comenta Luke.
Ele acrescenta: “Pode-se dizer que o BIM pode ser considerado com uma mudança de paradigma que envolve inovações disruptivas. E como qualquer inovação disruptiva, causa mudanças profundas nas organizações e como os times se relacionam.”
O entrevistado também cita uma pesquisa recente sobre a Maturidade do BIM no Brasil, realizada em julho de 2022, pela consultoria da Grant Thornton em parceria com a empresa SIENGE e a ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial), que apresentou um panorama sobre as dificuldades da implementação do BIM nas empresas.
“Desta pesquisa, podem-se observar as seguintes barreiras para implementação do BIM:
A) Os temas relacionados à capacitação dos profissionais (48,1%), seguidos da inexistência de processos adequados para adoção do BIM (45,4%) e da falta de incentivos financeiros para a capacitação dos funcionários (33,5%) continuam sendo as principais barreiras nas organizações.
B) Vale ressaltar que um número considerável de respondentes (17,2%) afirma que a falta de interesse por parte da alta gestão da organização é uma barreira importante na implementação BIM.”
O especialista também destaca a necessidade apontada pela pesquisa do uso de um Ambiente Comum de Dados (CDE, da sigla em inglês). Ele comenta:
“Além da utilização do CDE, é muito importante que as instituições públicas ou empresas privadas tenham o pleno conhecimento das documentações e normativos técnicos abaixo para a elaboração de projetos ferroviários com resultados efetivos.”
Como funciona o Plano de Execução BIM para ferrovias?
O Brasil já conta com um plano voltado a aumentar e melhorar a utilização do BIM para projetos ferroviários.
“O Plano de Execução BIM (PEB) é um documento que estabelece como se dará o trabalho colaborativo no desenvolvimento de um Empreendimento apoiado pelos usos do BIM, levando-se em conta o ciclo de vida da construção”, diz Luke.
Ele prossegue: “O PEB tem como principal objetivo estabelecer clara compreensão entre as partes chaves envolvidas no projeto quanto a seus papéis e responsabilidades e como o processo de modelagem da informação será conduzido, fiscalizado e acompanhado.”
“Esse plano é parte integrante e essencial de um projeto desenvolvido em BIM, pois facilitará a gestão da informação no projeto, de forma transparente, garantindo a disponibilidade da informação correta a todos os envolvidos, no tempo necessário e deve ser compreendido como um ‘documento vivo’”, diz Luke.
Luke também reitera que, nas diferentes fases do ciclo de vida da construção (Projeto, Obras, Construção e Demolição), é possível desenvolver diferentes PEB com estruturas diferentes, porém com o mesmo propósito de estabelecer um método eficiente de trabalho colaborativo.
“Uma prática prevista na ABNT NBR ISO 19650-2 (2018) é a emissão de um PEB inicial que faz parte do termo de referência para contratação das empresas participantes na implantação do Empreendimento. Desta forma é estabelecida a obrigação contratual para a adoção dos usos do BIM”, observa.
Luke continua: “Como referência aos usos do BIM, podemos citar o trabalho publicado pela Pennsylvania State University (EUA) onde foram identificados 25 diferentes casos de uso do BIM distribuídos nas fases do ciclo de vida da construção.”
Segundo ele, “O objetivo do PEB não é burocratizar os trabalhos, mas dar consistência em todos os usos de BIM para possibilitar todos os benefícios prometidos com adoção do BIM no empreendimento.”
Finalizando sua participação, Luke observa que “muitas entidades públicas e privadas criaram diversos modelos de Plano de Execução BIM (PEB) que podem ser utilizados como ponto de partida para contratações de projetos em BIM.”
De acordo com Luke, “para atender às suas peculiaridades, para cada projeto BIM é desenvolvido um PEB específico. Desse modo, temos PEBs que são
mais apropriados para obras de edificações e outros PEBs mais adequados para obras lineares de infraestrutura, como rodovias, ferrovias, saneamento básico, etc.”
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