A recorrente alta dos insumos vem impactando diretamente todos os setores e, em consequência, a vida dos brasileiros. Engana-se quem pensa que apenas a construção civil e a indústria sofrem com o aumento. 

O transporte acaba sendo outra área bastante prejudicada, principalmente considerando a elevação do óleo diesel no último ano – no acumulado de 12 meses o produto sofreu um reajuste percentual de 57%.

Para entender como a alta dos insumos afeta o frete ferroviário, conversamos com Fernando Paes, Diretor-Executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF). Veja mais abaixo!

Quais insumos estão impactando o valor das ferrovias?

Falando especificamente sobre o valor das ferrovias brasileiras, Paes aponta a pandemia da Covid-19 e a guerra na Ucrânia como fortes determinantes para a alta dos preços.

“A pandemia e, na sequência, a guerra na Ucrânia, assim como as diversas sanções adotadas em reação à investida russa, levaram a uma forte escalada no preço de insumos diretamente relacionados à operação ferroviária”, destaca o Diretor-Executivo da ANTF.

A operação ferroviária, citada por Paes, engloba desde a manutenção das vias à execução de projetos ferroviários previstos nos contratos de concessão e renovação, e também a construção de novas ferrovias.

Paes menciona os três insumos que sofreram uma alta expressiva nos últimos meses e impactam o setor: o diesel, o cimento e o aço.

“Os aumentos mais expressivos verificados foram nos preços do diesel — que impactam tanto a operação e, consequentemente o frete, como também seu uso em equipamentos pesados utilizados na obra civil —, do cimento e do aço”, explica.

Qual o impacto da alta desses insumos na construção de novas ferrovias?

De acordo com Paes, as concessionárias de ferrovias vem trabalhando com um reajuste expressivo no que diz respeito ao material rodante.

“As concessionárias têm recebido de fornecedores reajustes que vão de componentes de sinalização, na casa de 10%, a rodas de vagões (de 35 a 40%) e rodas de locomotivas, que chegam a 70% e 80% de aumento. A compra de eixos está, em média, quase 50% mais cara”, informa.

Ele destaca ainda um estudo recente realizado pela Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF) em conjunto com o professor Armando Castelar sobre a alta dos insumos. 

“Verificou-se também aumento nos preços de equipamentos ferroviários nos Estados Unidos, tomados como indicadores dos preços globais desses itens, quando transformados em reais e usando-se a taxa de câmbio vigente: os preços de material rodante subiram 47% e os de peças, 34%, entre fevereiro de 2020 e julho de 2022, contra alta de 20% do IPCA no mesmo período.”

O Diretor-Executivo da ANTF aborda também o impacto da alta dos insumos nas obras civis. “O aumento do diesel está relacionado ao uso (aluguel) de equipamentos pesados, como escavadeiras, caminhões, tratores, motoniveladoras etc. Todos são movidos a diesel”.

O estudo realizado pela ANTF mostra ainda um aumento de 76% no posicionamento e assentamento mecanizado de trilhos; de 40% para dormentes de concreto monobloco protendido, bitola larga; e 30% para dormentes de madeira.

Outra comparação feita pelo estudo foi entre a evolução do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e os valores do cimento e do aço no mercado doméstico.

“Verificou-se que as três séries andaram relativamente juntas até a pandemia, no início de 2020. Após esse ano, os preços do cimento e, em especial, do aço subiram em ritmo bem acima da variação do IPCA”, explica Paes.

“Entre junho de 2020 e o mesmo mês de 2022, o preço do cimento subiu 49% e o do aço, 103%, enquanto o IPCA teve alta de 21%. Um sinal de que os custos de investimento em infraestrutura ferroviária, em passarelas de pedestre e passagens de nível, por exemplo, tiveram altas bem superiores às dos preços ao consumidor em geral”, complementa.

A importância da desoneração de despesas para a competitividade do frete ferroviário

Quando se fala sobre o custo operacional do transporte ferroviário, o peso do diesel representa entre 30 a 35% dos custos totais.

“Uma alta de 70% no preço desse insumo, acima da inflação, tem um claro potencial de desequilibrar o contrato de concessão, econômica e financeiramente, ao elevar os desembolsos das concessionárias bem acima do respectivo aumento de receitas”, analisa o Diretor-Executivo da ANTF.

“Essa situação exige uma resposta efetiva e tempestiva por parte da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), uma vez que as tarifas de transporte ferroviário estão submetidas a tetos tarifários impostos pela agência. O reajuste extraordinário dos tetos tarifários é imprescindível e urgente, e já foi justificadamente requerido pelo setor à ANTT”, destaca Paes.

Sobre a velocidade e a significância da alta do preço do diesel levando em consideração a última atualização monetária dos tetos tarifários em cada concessionária, Paes aponta algumas conclusões.

“Desde a última atualização dos tetos tarifários, o preço do diesel subiu entre 36% e 59%, dependendo da data em que essa ocorreu, que varia de uma concessionária para outra. Essas altas acarretaram em aumentos de custos equivalentes a algo entre 2% e 16% dos respectivos tetos tarifários”, ressalta.

Qual o cenário futuro de renovação dos contratos das ferrovias?

Fernando Paes comenta que as renovações estão consolidadas enquanto política pública de Estado, contudo as repercussões do aumento dos insumos já podem ser observadas. 

“Já podemos perceber os impactos, por meio de investimentos e obras, decorrentes das renovações da Malha Paulista (Rumo) e das Estradas de Ferro Vitória a Minas e Carajás, ambas da Vale”, cita ele.

“A MRS, com contrato assinado no final de julho passado, está se juntando a esse grupo, que muito em breve terá também a companhia da FCA, que encerra este primeiro bloco de renovações anunciadas ainda em 2015 pelo Governo Federal”, acrescenta o especialista.

O PNL 2035, instrumento para planejamento de transportes e que auxilia na tomada de decisões por parte do governo e da sociedade, aponta um aumento de mais de 30% no transporte de cargas por meio das ferrovias do país após as renovações contratuais.

“Segundo o PNL 2035, com esse conjunto de renovações de contratos, a participação do modo ferroviário na matriz de transporte de cargas do país pode chegar a 36,5%, tornando-a mais equilibrada e com redução do custo logístico — impulsionando o Brasil tanto no mercado internacional quanto no doméstico”, finaliza o convidado.

Se você quer saber mais sobre o setor, aproveite e confira também nosso artigo sobre “Investimento cruzado: impulsionamento do modal ferroviário”!