A segurança ferroviária no Brasil está em um momento de transformação. O crescimento do setor e os investimentos previstos para os próximos anos trazem à tona novos desafios, especialmente no que diz respeito à implementação de soluções tecnológicas e estratégias de prevenção de riscos.
Para entender melhor esse cenário, ouvimos Antonio Neves, executivo especializado em prevenção de perdas, segurança corporativa e facilities, que compartilhou sua visão sobre as oportunidades e obstáculos que envolvem a segurança nas operações ferroviárias.
Prossiga com a leitura abaixo para saber mais!
A complexidade das composições ferroviárias
Um dos primeiros pontos levantados por Neves foi a estrutura das composições de trem e as limitações tecnológicas que elas apresentam.
“A única coisa energizada numa composição de locomotiva e vagões é a locomotiva. O vagão não é energizado, não tem ponto de energia, só funciona por tração. Logo, não se liga nada eletrônico ou elétrico”, explica.
O executivo destaca que, embora haja discussões sobre a adoção de tecnologias como placas solares nos vagões, isso não se mostra viável em larga escala.
“Algumas pessoas falam que agora tem placa solar, mas, na prática, isso não se aplica em larga escala. Se você está falando de um trem com 80, 100, 120 vagões, imagina o custo de colocar placas solares em todos eles. Vai lá em cima, e não dá ROI, não viabiliza o negócio”.
A necessidade de soluções estratégicas
Para Neves, um dos maiores desafios na segurança ferroviária é encontrar um equilíbrio entre o uso de tecnologia e a viabilidade econômica.
A segurança eletrônica em ferrovias, segundo ele, está muito mais associada a locais fixos, como checkpoints ao longo dos trechos, do que a equipamentos móveis, como vagões. “O primeiro desafio da segurança eletrônica é a viabilidade”, afirma.
Nesse sentido, ele menciona a utilização de drones como uma possibilidade, mas também com ressalvas operacionais.
“Estávamos num projeto para fazer uma caixa que abria na locomotiva, de onde sairia um drone. […] Mas, mesmo assim, você coloca isso em uma, você tem mais 1500, você teria 1500 drones? Como o drone vai operar? Ele tem uma capacidade de voo de 2 a 3 km, talvez”, ressalta nosso entrevistado.
Além das limitações de alcance e operação dos drones, as ferrovias frequentemente operam em áreas sem delimitação perimetral e sem eletricidade, o que dificulta ainda mais a implementação de soluções tecnológicas.
O papel da inteligência de dados
Uma das apostas para o futuro da segurança ferroviária é a utilização de análise de dados para a tomada de decisões estratégicas.
Neves explica que, atualmente, a sua equipe já conta com um cientista de dados para realizar predições baseadas em parâmetros diversos, mas destaca que essa abordagem ainda não é suficiente por si só.
“Hoje, temos um cientista de dados na operação de segurança. Ele faz predições baseadas nos parâmetros que temos, mas não acerta 100% das vezes. A predição é estatística. Quando algo falha, é necessário ter uma equipe de pronta resposta”.
O executivo reforça a importância da integração entre tecnologia e o fator humano. “A segurança humana nunca deixará de existir, mesmo com a segurança eletrônica, e a área de inteligência artificial”, ressalta.
Superando a dependência do Excel
Mais um ponto crítico abordado por Neves é o uso de ferramentas de gestão inadequadas para a complexidade das operações ferroviárias.
Ele faz uma crítica direta aos gestores que ainda utilizam ferramentas básicas, como planilhas de Excel, para controlar ocorrências e monitorar operações de segurança.
“O Excel tem sido a maior ferramenta de controle de ocorrências, mas os dados devem ser geridos dentro de um BI que alimente a estratégia de segurança”, alerta o executivo.
Segundo ele, é fundamental que os dados coletados sejam organizados de maneira eficiente, alimentando um sistema de Business Intelligence (BI) que permita uma análise mais robusta e uma gestão orientada por dados.
“A gestão orientada por dados é crucial. Quem não souber analisar dados e gerenciar a operação por meio deles vai ter uma aposentadoria precoce”, sintetiza.
Crescimento do setor ferroviário no Brasil
Com o aumento dos investimentos e o crescimento do setor ferroviário no Brasil, as expectativas para o futuro são altas. Neves vê esse cenário como uma oportunidade para que os gestores de segurança se especializem e adaptem suas práticas às necessidades do setor.
“O Brasil vai receber muito investimento nesse campo. […] A ferrovia será um dos principais componentes da matriz logística brasileira, com uma projeção de crescimento de 25% para 34% até 2035, o que representa um aumento de quase 10%”, afirma.
Além disso, ele reforça que a segurança ferroviária deve ser tratada de maneira estruturada e estratégica, acompanhando o crescimento do setor.
“As pessoas ainda não estão pensando na segurança ferroviária de forma estruturada, como já acontece em outras indústrias”, critica Neves.
Uma abordagem integrada e centrada nas pessoas
Para finalizar, Neves faz questão de destacar que a segurança ferroviária precisa ser integrada aos planos de negócio e colocar as pessoas no centro das soluções.
“Cada vez mais, o nosso mercado precisa discutir a segurança de forma estratégica, colocando a segurança na prática de maneira estruturada, integrada aos planos de negócio”, enfatiza.
E, para ele, a abordagem tradicional de segurança, focada apenas em respostas reativas, não tem mais espaço nos dias de hoje. “O ‘chute, porrada e bomba’ não tem mais espaço nos dias de hoje. Isso pode até acontecer, mas é algo que deve ser precedido por etapas de planejamento e estruturação. Além disso, é essencial cuidar das pessoas. Elas precisam ser o centro de tudo”, comenta o especialista.
Como visto, a tecnologia está cada vez mais presente no segmento ferroviário. Em outro artigo, falamos sobre a IoT e a análise de dados na inspeção ferroviária.