O desenvolvimento de ferrovias brasileiras é essencial para a infraestrutura e a economia nacional. No entanto, isso não pode ocorrer às custas do meio ambiente. 

Nesse sentido, as licenças ambientais são responsáveis por assegurar que os projetos do setor ferroviário estejam alinhados com a preservação ambiental. 

Eltiza Rondino Vasques, doutora em Ciências Ambientais e professora do Senac EAD, conversou conosco sobre o tema. 

Acompanhe abaixo os tópicos que foram debatidos em nossa entrevista!

O papel das licenças ambientais no contexto ferroviário

“O licenciamento ambiental é um dos instrumentos preconizados na Lei 6938/1981, a chamada Política Nacional de Meio Ambiente, a fim de garantir a qualidade do meio ambiente e prevenir a poluição ambiental”, diz Vasques.

Sendo assim, o licenciamento ambiental é o procedimento administrativo, onde o órgão ambiental competente licencia a localização, a instalação, a ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras. 

Sobre as licenças ambientais dos projetos ferroviários, Vasques diz que elas “indicam que estes estão em conformidade com os aspectos ambientais da região onde estão inseridos”.

Os procedimentos e requisitos para a obtenção de licenças

Para se obter as licenças, a professora destaca que é preciso um trabalho prévio de grande profundidade para definir as diretrizes que determinarão o que é necessário para uma licença.

“São elaborados estudos do ambiente relacionados às características do empreendimento, a fim de se determinar qual a melhor forma de implantar o empreendimento sem degradar o meio”, resume ela.

Ela explica ainda que as licenças trazem ações que condicionam a implantação e a operação dos modais ferroviários em consonância com as situações ambientais existentes, permitindo transformá-los em projetos ambientalmente mais sustentáveis. 

Os principais desafios e considerações ambientais no processo de licenciamento

“Os desafios neste processo estão na definição das medidas mitigadoras, ou seja, das medidas que minimizam os impactos ambientais negativos causados pelo empreendimento em todo seu entorno”, comenta Vasques.

A especialista ressalta ainda a necessidade de rigorosa avaliação das atividades para reduzir e eliminar os impactos adversos.

“Os órgãos ambientais, responsáveis pela emissão das licenças precisam analisar os projetos com muito cuidado e prudência”, afirma.

Ela prossegue com conselhos de ações que devem ser tomadas para que a obtenção dessas licenças seja feita de forma adequada e eficiente. Vasques diz:

“Os empreendedores devem executar com rigor as condicionantes da licença, implantando as medidas mitigadoras e as medidas compensatórias preconizadas nos programas ambientais, para garantir o efetivo cumprimento destes programas e o devido tratamento dos impactos inerentes à implantação e operação ferroviária”. 

Impacto das licenças ambientais na sustentabilidade das ferrovias

“Como todas as tipologias de empreendimentos, a ferrovia causa impactos positivos, como a geração de emprego e renda; aumento da arrecadação tributária municipal; melhoria do desempenho e redução de custos logísticos para os produtos e cadeias de suprimentos atendidas pela variante ferroviária”, diz Vasques.

Ela prossegue citando ainda “a diminuição das pressões sobre o sistema rodoviário regional; incremento e diversificação das atividades econômicas; e menor emissão de poluentes atmosféricos, em sua operação, em comparação ao modal rodoviário”,

A professora também afirma que esses impactos, normalmente, são potencializados com ações que visam maximizar seus efeitos para a população afetada negativamente pela implantação e operação da ferrovia. 

Ferrogrão: exemplo polêmico ilustra os processos

Para exemplificar, Vasques conta que há uma grande polêmica, atualmente, em relação à Ferrogrão, projeto articulado desde o governo do ex-presidente Michel Temer, com 933 km de trilhos que seguirão o traçado da BR-163 e deverão ampliar o escoamento de grãos na Região Norte.

O Ferrogrão é considerado um corredor logístico capaz de reduzir distâncias e diminuir os custos dos exportadores de grãos, já que a previsão é de diminuição de 30% a 40% no preço do frete. A estimativa é de que gere 116.000 empregos.

Na opinião de Vasques: “A polêmica baseia-se no traçado da ferrovia, que cruza uma Unidade de Proteção Integral. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) tramita no Supremo Tribunal Federal e indica pontos inconstitucionais no projeto da Ferrogrão.”

Segundo ela, “um dos pontos levantados mostra que houve a proposta de eliminação de parte da área do Parque Nacional do Jamanxim, por uma lei, para que a ferrovia fosse implantada.”

A especialista ressalta, porém, que neste caso “não houve a sugestão de qualquer contrapartida ambiental.”

Ela continua lembrando que: “Em setembro de 2023, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu por 6 meses a ação que julga a legalidade da construção da Ferrogrão, pois, o grupo de conciliação recomendou a realização de compensações ambientais e a oitiva de indígenas para solucionar o impasse para a construção da ferrovia.”

Ainda de acordo com nossa entrevistada, “nesse tempo, serão realizados estudos pelas partes envolvidas e atualizações sobre os impactos da obra”.

Nas palavras da docente, “é dessa maneira, que esses desafios devem ser enfrentados: com as negociações entre as partes diretamente afetadas pelos empreendimentos, o Governo e os empreendedores, para que o desenvolvimento sustentável se torne efetivo e que o crescimento econômico possa ocorrer em consonância com as questões ambientais.”

De acordo com Vasques, “o licenciamento ambiental tem por objetivo exatamente esse equilíbrio entre a viabilidade do projeto e a melhor alternativa técnica e locacional, em termos ambientais.”

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