Desde os primórdios, a engenhosidade humana se defronta com o chamado “Desafio Logístico” voltado à obtenção, mobilização e deslocamento de recursos para a construção de suas cidades e monumentos, assim como para o abastecimento em tempos de paz e de guerra. É por esta razão, que os gregos definiram esta atividade de “Logistike”, que representa a soma de habilidades de cálculo e de raciocínio lógico necessárias a cumprir esta árdua missão, considerando, à época, centros produtores pouco diversificados e a população esparsa se locomovendo aos primitivos pontos de troca. Neste quadro, o comércio por milhares de anos se organizou através de grandes comboios (as caravanas, do persa kârvân), que visavam dar mais segurança e pontos de apoio a mercadores e peregrinos.

Mas foram as guerras de conquista e manutenção dos grandes Impérios que tornaram a logística essencial, o que se verifica nas citações de dois gênios militares da Antiguidade. O general e filósofo chinês Sun Tzu, conhecido por seu tratado militar “A Arte da Guerra”, dizia: “A fronteira entre a ordem e o caos está na logística”. Já, Alexandre, o Grande, pioneiro de práticas de movimentação de recursos, dizia: “Meus logísticos são um grupo sem senso de humor… eles sabem que se minha campanha falhar, eles serão os primeiros que eu matarei”.

A obra de Leão VI, o Sábio, imperador bizantino de 886 a 912, denominada “Táctica” (em grego: Τακτικά), é tida como uma das grandes compilações da literatura militar, em que a logística ganha especial atenção, reunindo obras anteriores como o “Strategikon” do imperador Mauricio (582-602) e trazendo a importância dos quatro grandes pilares da logística: o planejamento, a organização, a liderança e o controle.

A EVOLUÇÃO DOS MEIOS DE PRODUÇÃO

O feudalismo, seguido pelo mercantilismo trouxe grandes mudanças decorrentes do fim dos grandes impérios, do aumento populacional e do adensamento urbano (burgos) com maior complexidade social e dos meios de produção. Esta intensificação das relações comerciais e produtivas trouxe novos paradigmas para a evolução da logística:

Século XI: Oficinas de Artesãos Medievais (especialização e corporações de ofício)

Século XIII: Ligas de Comércio (Hansa: primeiras associações de comércio)

Século XV: Estruturação dos serviços postais (tarifas, rotas e prazos definidos)

Século XVII: Companhias das Índias (conceito de marinha mercante)

A invenção da máquina a vapor, aperfeiçoada por James Watt em 1784 e o desenvolvimento da locomotiva em 1814 por George Stephenson foram os grandes marcos para a “Primeira Revolução Industrial”, com transformações impactantes para o setor produtivo e logístico a partir da demanda por carvão como fonte de energia e do desenvolvimento do telégrafo como meio de comunicação quase instantâneo. Em 1878, Frederick W. Taylor apresentou as bases para o aumento da eficiência operacional do trabalho, através da racionalização e da especialização para cada etapa específica do processo produtivo e logístico. Estavam lançadas as bases da “Logística Moderna”, que entretanto apenas se tornaria uma prática separada com o advento das duas grandes guerras mundiais do século XX. Tanto assim, que se estabeleceu o “Dia Internacional da Logística” (6 de junho) em referência ao dia do desembarque das tropas aliadas na Europa ocupada (“D Day”), tida como a maior operação logística de todos os tempos.

A LOGÍSTICA NO SÉCULO XXI

Acompanhando a profunda transformação dos sistemas produtivos clássicos através da digitalização e agrupamento massivo de informações de cada elemento físico, a “Logística do Século XXI” se baseia na ampla oferta de tecnologias de comunicação e processamento inteligente, substituindo componentes logísticos tradicionais por versões “mais inteligentes”, além de transformar os fluxos de trabalho e a forma como as remessas circulam desde os fornecedores até seus usuários finais, a partir da coleta e análise de grandes volumes de dados.

Ocorre a redefinição de sistemas antes centralizados e analógicos, impondo novos processos logísticos decentralizados e integrados em nuvem, com maior eficiência, flexibilidade, transparência e segurança. Os processos logísticos, antes fundamentados no histórico das operações, passam a utilizar ferramentas de medição, predição e atuação, sustentadas por diversas tecnologias disruptivas, dentre as quais:

  • Cloud & Edge Computing
  • Smart Sensors & Internet of Things (IoT)
  • 3D printing (additive manufacturing)
  • SaaS, Big Data & Analytics (ERP, TMS, WMS, DMS, etc.)
  • Artificial Intelligence (AI), Machine Learning & Generative AI
  • Virtual reality (VR), Augmented reality (AR) & Mixed Reality (MR)
  • Blockchain & Multi-layered cybersecurity
  • CPS (Cyber-physical systems) & RPA (Robotic process automation)
  • Veículos autônomos, Drones e robôs colaborativos

Mais recentemente, com as possibilidades de massificação da conectividade, abertas pelas tecnologias de comunicação móvel, novos paradigmas se apresentaram para a moderna indústria logística.

1-      Redes privativas e de acessos de borda em nuvem se tornam essenciais para atender as amplas necessidades de conectividade, cobertura, latência, segurança e confiabilidade que se impõem para a transformação digital dos processos industriais e logísticos, com vistas à eliminação de ineficiências na cadeia e nos transportes, à redução dos ciclos produtivos, ao controle em tempo real das etapas dos processos, à manutenção da qualidade dos produtos e entregas, e à melhoria geral do desempenho do negócio.

2-      O uso extensivo de tecnologias no espaço virtual e de interação físico-virtual (AR/VR/MR, BIM, IoT, Digital Twins) representam ferramentas essenciais para o planejamento de operações integradas de chão de fábrica/armazéns em termos de segurança, flexibilidade de reconfiguração, previsibilidade e integração das cadeias de produção e de suprimentos.

3-      Sustentabilidade energética e descarbonização tornaram-se elementos fundamentais para a governança das empresas perante a sociedade e aos seus acionistas. Redes integradas pelas novas tecnologias de conectividade e interação apresentam grande potencial para o controle integrado de resíduos, a transição energética e o uso ampliado de contingências e prevenção a acidentes.

4-      Governança e geopolítica tornaram-se fatores críticos para muitos setores obrigados a observarem e lidarem com mudanças contínuas na arena política internacional (restrições e embargos comerciais), além de constantes mudanças em impostos, tarifas e regulamentações. Governos e empresas com políticas ESG estabelecidas, exigem clareza sobre a conformidade laboral e ambiental em todas as cadeias de abastecimento. A consequente demanda por registros mais confiáveis e controle fim-a-fim sobre as operações são inerentemente mais intensivos em dados e rede.

REDES PRIVATIVAS E OS PORTOS DO FUTURO

As redes NPN (Non-Public Networks) são redes implementadas para o uso privativo de companhias, governos ou quaisquer instituições, podendo ser configuradas de forma totalmente independente ou utilizando algumas funções de uma rede pública. De forma alternativa e complementar, o fatiamento de rede (“network slicing”) é uma opção oferecida pela tecnologia 5G, que permite a uma operadora móvel criar redes virtuais específicas.

Uma rede privativa com tecnologia celular pode exigir um investimento superior ao de outras tecnologias de comunicação de dados sem fio, como Wi-Fi ou LoRaWAN. Contudo, a rede privativa 5G traz vantagens relacionadas à robustez, segurança, mobilidade, baixa latência e alta velocidade.

Um dos grandes diferenciais das redes privativas é poder ser configurada não apenas para as necessidades de uma empresa específica, mas também para demandas específicas de uma estrutura múltipla e complexa (como um porto), valendo ressaltar que as empresas conectadas a uma rede privativa possuem muito mais controle e soberania sobre os níveis de serviço, segurança, requisitos de acesso e de armazenagem/utilização de dados.

As principais demandas de operadores portuários passam pela eficiência e segurança operacional, o que pode ser alcançado com o uso específico de um conjunto de tecnologias habilitadas pela conectividade e acesso computacional, tais como:

  • Redução de tempos de carga/descarga através do uso de veículos autônomos e guindastes automatizados por IA;
  • Rastreamento e monitoramento de ativos através de sensores inteligentes distribuídos e controlados em toda a planta;
  • Manutenção preventiva e redução do tempo de inatividade por detecção de IoT e implantação de drones;
  • Serviços de comunicação de missão crítica com criptografia dedicada e com garantia de rastreabilidade via Blockchain;
  • Aprimoramento da segurança de trabalho para o monitoramento de comportamentos e uso de EPIs.

Enfim, são diversas as possibilidades que se abrem, dependendo do grau de integração que se pretenda alcançar.

CONCLUSÕES

A utilização e o monitoramento mais eficiente e seguro de veículos, ativos e operadores, tanto próprios como de parceiros, locadoras ou prestadores de serviços, observadas as cadeias de fornecimento expandidas (do produtor ao consumidor), exige conectividade resiliente e confiável. As redes celulares privadas são parte da solução para estes desafios, ao habilitarem a comunicação robusta e segura, a transferência de dados em alta velocidade e baixa latência, que possibilitam às equipes corporativas de TI e TO controlarem os padrões de conectividade, mantendo alto desempenho e confiabilidade.

O benefício potencial das redes privadas 5G nos portos é substancial: a “5G Alliance for Connected Industries and Automation (5G-ACIA)” concluiu que a tecnologia 5G nos portos pode levar a reduções de custo de até 50% através do aumento da eficiência e da redução do tempo de inatividade. Outro estudo, da ABI Research estima que o 5G nos portos poderá gerar ganhos de produtividade e eficiência de até 12,7 bilhões de dólares até 2030.

A exemplo do diferencial competitivo obtido por Alexandre, o Grande, ao priorizar a logística em suas campanhas, as possibilidades que as tecnologias apresentadas abrem para a competitividade da economia do país são enormes, cabendo aos empresários e investidores do setor identificarem os nichos específicos em que cada uma das soluções disruptivas disponíveis possam ser aplicadas com o melhor retorno em termos de valores, prazos e benefícios para os acionistas e a sociedade.