Investimento cruzado é o nome dado a um modelo de negociação entre a iniciativa pública e a privada para construção de novos trechos de ferrovia no país. 

De acordo com este modelo, empresas que detém a operação em determinadas ferrovias, no momento da renovação contratual, devem iniciar a construção de novos trechos, ao invés de pagar a outorga.

Assim que finalizada a construção do novo trecho de ferrovia, este é licitado pelo governo, gerando nova outorga. Através deste modelo, são ampliados os investimentos privados no setor ferroviário nacional, gerando empregos e beneficiando moradores de diversos municípios do país.

Para falar mais sobre o assunto, conversamos com Thaís de A. O. Araripe Palmeira Dias, advogada e Chefe da Procuradoria Jurídica Interina da VALEC – Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. Confira mais abaixo!

O que é o investimento cruzado?

De acordo com nossa entrevistada, para que se possa entender o que é o investimento cruzado, é preciso, preliminarmente, conhecer outros dois conceitos: o de contratos de parceria e o de prorrogação antecipada. 

“Contratos de parceria são basicamente aqueles qualificados no Programa de Parceria de Investimentos – PPI, ou seja, os definidos na Lei nº 13.334, de 13 de setembro de 2016: art. 1º, § 2º”, explica Thaís Dias.

O artigo 1º, § 2, da Lei n.º 13.334/16 considera alguns tipos de contratos de parceria entre a iniciativa pública e a privada, como:

  • Concessão comum;
  • Concessão patrocinada;
  • Concessão administrativa;
  • Concessão regida por legislação setorial;
  • Permissão de serviço público;
  • Arrendamento de bem público;
  • Concessão de direito real
  • Outros negócios público-privados com estrutura jurídica semelhante.

Já a Lei nº 13.448, de 5 de junho de 2017 é a que aborda especificamente a prorrogação antecipada. 

“Conforme o art. 4º, inciso II, da Lei n.º 13.448/2017, a prorrogação antecipada é aquela que trata da alteração do prazo de vigência do contrato de parceria”, observa ela.

Thaís também acredita que, considerando especificamente o sistema ferroviário, a Lei n.º 13.448 trouxe certa novidade por permitir o investimento em ferrovias diferentes. 

“A Lei n.º 13.448 foi inovadora ao admitir que esses novos investimentos ocorressem, não apenas na malha própria daquele concessionário, mas também em outras malhas de interesse da administração pública (§ 1º, art. 25)”, destaca.

O investimento cruzado, segundo Thaís, se insere “no contexto da permissibilidade de que os novos investimentos ocorram em outras malhas de interesse da administração pública.”

Ela ressalta que o nome investimento cruzado não é utilizado pela lei, mas tornou-se popular por ser autoexplicativo. 

“O concessionário de uma ferrovia realiza o investimento cruzado em outra malha, que não a sua, para obter a prorrogação antecipada do contrato de concessão da sua própria malha”, complementa ela.

O que foi decidido sobre o investimento cruzado para ferrovias brasileiras?

De acordo com Dias, até o momento foi realizado apenas um investimento cruzado no setor ferroviário brasileiro, oriundo da assinatura do 3º Termo Aditivo ao Contrato de Concessão da Estrada de Ferro Vitória Minas, firmado com a Vale S.A.

“Duas ferrovias foram contempladas como sendo as malhas de interesse da administração pública, a Ferrovia de Integração Centro-Oeste, a FICO e a Ferrovia de Integração Oeste-Leste, a FIOL”, cita nossa convidada.

Sobre a FICO, Thaís aponta qual seria o objeto de investimento da Vale: a implantação da infraestrutura e superestrutura ferroviária de trecho da Ferrovia de Integração Centro-Oeste – FICO, EF- 354, localizado entre os municípios de Água Boa/MT e Mara Rosa/GO, incluindo a elaboração do projeto executivo.

“A estimativa do custo de implantação da infraestrutura e superestrutura ferroviária do trecho, incluindo os custos ambientais, de projeto e de desapropriações considerando o benefício do REIDI, na data-base de outubro de 2020, é de R$ 2.538.765.494,03”, diz.

Já para a FIOL, o objeto de investimento inclui a aquisição, a armazenagem até a entrega, carregamento, transporte e descarregamento de 56.432,25 toneladas de trilhos, bem como de 32.095 peças de dormentes até os canteiros de obras.

“A estimativa de custo para a aquisição dos trilhos, na data-base outubro/2020, é de R$ 339.477.458,11 e a estimativa de custo para aquisição dos dormentes, na mesma data-base, é de R$ 8.028.07227”, explica a especialista.

Como o investimento cruzado pode impulsionar o modal ferroviário?

Para que se possa entender como o investimento cruzado pode impulsionar o modal ferroviário, Thaís Dias usa como exemplo a prorrogação antecipada da Estrada de Ferro Vitória Minas. Ela observa:

“Em um contexto em que a concessionária Vale S.A., para obter a prorrogação antecipada do seu contrato, realiza novos investimentos que impulsionam a expansão das ferrovias, comprando trilhos para a FIOL, elaborando o projeto executivo e efetivamente construindo trecho da FICO.”

A advogada cita ainda a redução de orçamento público disponibilizado ao longo dos anos para investimento na infraestrutura das ferrovias brasileiras como uma das causas da estagnação do setor. 

“Por isso, soa fundamental pensar em um modelo inovador e disruptivo, que a um só ato congrega interesses mútuos do particular e do público, notadamente da sociedade que é a maior beneficiada com a expansão das ferrovias”, ressalta a especialista.

Ela prossegue: “Resguardando um crescimento planejado das ferrovias, em correção a outro gargalo logístico do passado, quando as primeiras ferrovias foram implantadas de forma desordenada, o que culminou no abandono e erradicação de diversos trechos.”

A Chefe da Procuradoria Jurídica Interina da VALEC também vê o investimento cruzado como uma forma capaz de fazer crescer o sistema ferroviário brasileiro.

“Abre-se caminho capaz de impulsionar o modal, reverberando em importante ferramenta de política pública para o Estado brasileiro expandir os quilômetros de ferrovias existentes e equilibrar a matriz de transportes no Brasil, por meio de investimentos essencialmente privados, desonerando a máquina pública”, finaliza a convidada. 

E já que estamos falando sobre inovação no setor ferroviário, veja também nosso artigo sobre a modernização das ferrovias e os desafios do Brasil para o segmento. Boa leitura!