Em tempos de tristes conflitos em diferentes partes do mundo, a logística humanitária se faz presente como forma de atenuar o sofrimento da população com a emissão de mantimentos e produtos como alimentos e medicamentos.
Mas, afinal, o que é e como funciona a logística humanitária, tão essencial em momentos como o que estamos vivendo?
Para compreendermos mais do assunto, entrevistamos Rosinda Angela da Silva, professora do curso de Logística e Administração da Uninter.
Veja abaixo o que ela nos explicou sobre essa ação tão importante para superarmos os desafios atuais com o auxílio da logística internacional!
Intermodal Digital: Quais são os principais objetivos da logística humanitária e em que contextos ela é mais comumente aplicada?
Rosinda Angela da Silva: “Podemos entender a logística humanitária como a área da logística voltada para a preparação às demandas pontuais de uma população que está enfrentando uma crise de abastecimento de bens essenciais à vida como água, alimentos, itens de higiene, medicamentos e cuidados médicos.
Essa crise pode ter sido gerada por um desastre natural, tecnológico ou de conflitos e neste sentido, a logística humanitária se apresenta como o processo responsável pelo controle do fluxo das informações, de pessoas e dos materiais advindos das ajudas humanitárias propiciando que cheguem à população atingida.
De forma simples podemos entender os principais objetivos da logística humanitária como: salvar vidas; aliviar o sofrimento das comunidades atingidas e que estão vulneráveis, além de contribuir para a reconstrução da região afetada, tornando-a mais segura para os cidadãos.
Para atingir estes objetivos da logística humanitária é preciso fazer chegar os suprimentos, que podem ser doações de pessoas físicas, jurídicas e governamentais, às pessoas que estão em vulnerabilidade e áreas de risco.
Para isso, a logística humanitária precisa planejar o transporte, armazenagem adequada das doações, monitoramento e rastreamento de todo o fluxo deste importante processo.
Os contextos em que a logística humanitária faz a diferença são no atendimento às vítimas de desastres, que o COBRADE (Classificação e Codificação Brasileira de Desastres) da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil – SEDEC, classifica em duas grandes áreas: naturais (desastre geológico, hidrológico, meteorológico, climatológico e biológico) e tecnológicos (aqueles relacionados às substâncias radioativas; produtos perigosos; incêndios urbanos; obras civis; transporte de passageiros e cargas não perigosas).
No entanto, temos visto a expressiva atuação da logística humanitária nas áreas de conflitos, como por exemplo, citando os dois casos mais recentes e com projeção internacional: guerra da Rússia-Ucrânia e Israel-Hamas.
Assim, temos que a logística humanitária atende essas três frentes, de acordo com a necessidade de cada situação.”
Intermodal Digital: Quais são os principais desafios enfrentados pela logística humanitária, especialmente quando se trata de alcançar áreas remotas ou afetadas por conflitos?
Rosinda Angela da Silva: “O principal desafio é fazer a coordenação dos atores envolvidos no processo da logística humanitária, pois, em muitos casos a região impactada é de difícil acesso e as autoridades locais não têm condições de atuar e precisam esperar auxílio de profissionais especializados como bombeiros, socorristas e outros profissionais da saúde.
Já na operacionalização da logística humanitária outros elementos desafiam a eficiência e eficácia da operação como por exemplo:
- A preparação dos recursos necessários para atuar diante da crise – o que pode depender da chegada dos suprimentos em locais que servirão de hub de distribuição;
- Resposta rápida do fluxo dos suprimentos necessários às áreas atingidas – com a dificuldade de a infraestrutura estar danificada como estradas, aeroporto e de comunicação, impossibilitando o uso de sistemas de informação e processos logísticos;
- Atendimento às vítimas que precisa ser rápido e eficiente – o que às vezes se depara com local de difícil acesso como nos desastres naturais ou inseguros até para as equipes humanitárias como no caso das situações de guerra.
- Além disso, as fases de reparação e mitigação das áreas atingidas também são desafiadoras, pois nem sempre o recurso necessário para a reconstrução chega a tempo ou com a qualidade necessária para os trabalhos.
Isso porque, em muitos casos, a logística humanitária permanece atuando na região atingida até ser reconstruída ao menos parcialmente, para que a região volte a oferecer segurança à população.”
Intermodal Digital: Quais são os principais atores envolvidos na logística humanitária, incluindo organizações não governamentais, agências governamentais e voluntários?
Rosinda Angela da Silva: “A logística humanitária é realizada com o envolvimento de diversos atores como:
- As vítimas da situação de crise;
- Bombeiros militares, bombeiros civis;
- No Brasil, há envolvimento também dos militares;
- Governo do local do desastre em diferentes esferas;
- Os profissionais da saúde como médicos de diversas especialidades e enfermeiros;
- Organizações humanitárias como a Cruz Vermelha, Médicos Sem Fronteiras e Organização das Nações Unidas – ONU;
- Os doadores (pessoas físicas ou jurídicas), que enviam recursos, tanto em produtos essenciais, como doações em dinheiro, para auxiliar na compra de suprimentos.
- Os voluntários, que se unem em diversos pontos do planeta (dependendo da intensidade do desastre) e mobilizam a sociedade civil para obter donativos e auxiliar as vítimas.”
Intermodal Digital: Como a tecnologia desempenha um papel na melhoria da eficiência e eficácia da logística humanitária?
Rosinda Angela da Silva: “Se tem uma área que a tecnologia pode fazer a diferença na logística humanitária é no rastreamento dos suprimentos.
Uma vez que o foco é fazer com que os suprimentos e os cuidados cheguem à população vulnerável, rastrear o percurso e indicar onde estão os pontos mais próximos de apoio, sem dúvida, auxiliam no planejamento dos profissionais e voluntários envolvidos no processo.
Outro elemento de extrema importância é a comunicação entre os envolvidos na logística humanitária, principalmente daqueles que estão na linha de frente e que precisam passar ou receber informações da situação.
Neste caso, manter a possibilidade de que troquem mensagens em tempo real ou que possam se reunir rapidamente por meio de ferramentas de reunião online traz um grande diferencial para o êxito da operação logística, pois, é preciso lembrar que na outra ponta, há pessoas vulneráveis precisando de ajuda tanto de suprimentos, como também de apoio psicológico.
A tecnologia também pode ser útil na questão do mapeamento das áreas atingidas em que drones, por exemplo, podem ser enviados para averiguar as condições do terreno, permitindo que a equipe que avançará possa planejar adequadamente a operação, traçando as rotas mais seguras e mais rápidas para acessar as áreas afetadas.
O uso do próprio drone ou de robôs, para distribuir suprimentos nas áreas de difícil acesso, também é uma possibilidade tecnológica. Além disso, a tecnologia também pode ser útil para as análises durante e pós-atendimento do desastre, em que os dados coletados possam ser analisados e identificadas as possibilidades de prevenção (caso seja possível) e servir de base para políticas públicas atuarem nestas regiões.
Como por exemplo, em caso de deslizamentos, enchentes, alagamentos e outras catástrofes que possam ser identificadas com tempo hábil de retirar as pessoas que estão nas áreas de maior risco.”
Intermodal Digital: Quais são as lições que a logística humanitária pode oferecer para a logística tradicional e a cadeia de suprimentos em termos de adaptabilidade, resiliência e resposta a situações de crise?
Rosinda Angela da Silva: “A lição que a logística humanitária nos traz é que é possível mobilizar recursos de forma rápida e eficiente quando o objetivo da operação é bem claro para todos.
No caso da logística humanitária é salvar vidas, mas, na cadeia de suprimentos? Será que todos realmente sabem qual é o objetivo?
Assim, o primeiro passo para entendermos que a logística humanitária pode contribuir para a melhoria dos processos de cadeia de suprimentos é entender que elas não realizam suas operações da mesma forma e nem poderia ser diferente, pois, se no final da cadeia de suprimentos há uma indústria ou varejista aguardando matéria-prima ou mercadoria para revenda, ao final da operação da logística humanitária, tem-se comunidades inteiras vulneráveis e em situação de risco, dependendo da chegada de suprimentos essenciais para sua sobrevivência.
Isso requer uma rapidez muito grande para possibilitar o atendimento das vítimas. Assim, a logística humanitária precisa agir de forma: planejada; flexível; resiliente; com comunicação integrada e colaborativa.
Esses elementos podem ser apresentados da seguinte forma:
- O planejamento: etapa inicial dos trabalhos que impactará no desempenho do fluxo durante toda a operação, pois é neste momento em que são identificadas as possíveis rotas de entrega, a preparação dos suprimentos para o transporte o que envolve as embalagens e a otimização dos espaços utilizados nos veículos de cargas, e também, os acordos com os diferentes elos da cadeia logística que podem estar envolvidos;
- Flexibilidade ou adaptabilidade: em que na logística humanitária é elemento essencial, pois, nem sempre as condições mapeadas há algumas horas, são as mesmas encontradas quando se chega ao local, como por exemplo, queda de barreiras, vias bloqueadas ou áreas inacessíveis, o que exige rápida adaptação à nova condição.
Isso também está conectado com o coeficiente de resiliência que a equipe responsável pela logística humanitária possui para lidar com os imprevistos e garantir que os recursos sejam entregues de forma eficiente e eficaz a quem precisa.
- Com comunicação integrada: a logística humanitária tem como objetivo salvar vidas, logo, a comunicação é elemento essencial para que os envolvidos saibam como estão as condições em outras áreas da operação.
Quanto mais em tempo real for essa comunicação, melhor, pois as primeiras 72 horas são vitais para o resgate de vítimas com vida e é neste período que elas mais precisam de medicamentos, alimentos, abrigo, itens de higiene e roupas, os quais são entregues pela eficiência da logística humanitária.
- Colaborativa: A colaboração é intensa na logística humanitária pois, diversos atores interagem, os quais já foram citados anteriormente, sempre com o foco em atender à população afetada. Como esses atores são de diferentes segmentos, a logística humanitária realiza a coordenação de todos para garantir que os esforços cooperativos sejam revertidos em atendimento eficiente e eficaz.
A equipe responsável pela cadeia de suprimentos das organizações podem (e devem) conhecer, estudar e analisar como a logística humanitária consegue atuar de forma rápida, mesmo enfrentando diversos obstáculos que não estavam previstos e ainda assim, atingir seus objetivos como salvar vidas e devolver dignidade à população atingida, de forma rápida e coordenada.
A partir do conhecimento adquirido, é possível avaliar quais práticas da logística humanitária podem ser adaptadas para melhorar o processo da cadeia de suprimentos.”
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O Rio Grande do Sul está passando por uma das piores catástrofes climáticas da história e precisa da ajuda de todos. Por isso, o Governo do Estado reativou seu canal de doações para a conta “SOS Rio Grande do Sul”, pela Chave pix (CNPJ): 92.958.800/0001-38 – Instituição Banrisul. Divulgamos essa ação como forma de incentivar a participação de todos.