Para o Minutos Corporativos Mulheres na Logística da Intermodal, recebemos Gabriela Guimarães, que é Head de Varejo, e-commerce e serviços logísticos da DHL Supply Chain Brasil com mais de 18 anos de experiência.

Intermodal: Como você avalia a evolução da presença feminina no meio logístico e de supply chain ao longo dos anos? Podemos dizer que atualmente há mais espaço para as mulheres no setor?

Gabriela Guimarães: “Eu já vejo mais espaço, e posso falar dos movimentos que a DHL vem fazendo para isso. O que veio impedindo isso ao longo dos anos? Vendo minha própria trajetória, eu vim do mundo do setor automotivo, que além de ser logístico é um mundo mega masculinizado, e quando a gente olha para trás, vendo essa reflexão que fizemos ao longo do tempo, hoje como liderança, como mulher, abrindo espaço para que outras tenham a sua vez e vejam que sim, tem um lugar para as mulheres. 

Eu acho que a principal mudança que vemos fazendo é criar um ambiente mais flexível, por que o que poderia impedir de uma mulher estar na logística? A logística é uma área muito operacional, e por ser muito operacional ela exige muito de você, da sua figura na linha de frente. E na linha de frente você comanda uma operação, tem contato com clientes, resolve problemas, então você deve imaginar a quantidade de interferências que temos no dia a dia. 

A partir do momento que você coloca um produto dentro de um caminhão e ele vai embora na estrada, você perde o controle, você não tem mais 100% do controle do que pode acontecer. São muitas possibilidades, então você imagina a quantidade de possíveis problemas e interferências que você tem que administrar. 

Em um ambiente como esse a mulher obviamente acaba ficando para trás, pois ela tem que chegar em casa e cuidar do marido, dos filhos, do cachorro, então como ela vai segurar todos esses pratinhos? 

Então o que temos feito é criar um ambiente onde essas interferências que podem acontecer sejam tratados dentro de um processo melhor estruturado de forma que as mulheres, e os homens também, pois o que estamos fazendo vai beneficiar todos os profissionais. Nós trabalhamos para nos desenvolvermos como profissionais mas também para curtir a família, os filhos, então estamos fazendo basicamente isso, abrindo espaço e criando processos mais claros e robustos. 

Se eu tenho três turnos preciso ter três lideranças, uma para cada turno, cada um sabe o seu horário de atuação, de forma que eu sei exatamente o horário que vou trabalhar, não estou falando de exceções que acontecem em qualquer ambiente de trabalho, mas é muito mais fácil para as mulheres saberem que horário trabalho, tendo um bom balanço da minha vida pessoal e profissional. 

A gente faz isso de ‘space to lead’, ter um espaço correto para liderar. Não posso ter menos nem mais, preciso ter custos equilibrados de forma que tenha espaço para liderar e para sua vida, e é basicamente nisso que a DHL vem se movimento.

Intermodal: Quais fatores você considera terem sido fundamentais para sua conquista de liderança?

Gabriela Guimarães: “Muita gente me perguntava sobre quais barreiras eu enfrentei por ser mulher, os desafios que enfrentei para chegar nessa posição que estou hoje, e tenho uma forma muito simples de responder isso. Eu nunca vi o meu gênero como um bloqueio para o meu desenvolvimento. 

Eu além de ser mulher sou nordestina, vim da Bahia, e quando vim de lá para cá foi para liderar uma planta que produzia carros leves em São Bernardo. E quando eu cheguei essa era uma planta de quase 40 anos, as pessoas que estavam ali trabalhavam ali há no mínimo 20 ou 25 anos, extremamente masculina, automotiva, que é um mundo masculino. 

Eu cheguei com 24 anos, vinda da Bahia, mulher, e para mim foi a melhor experiência da minha vida profissional. Nunca havia feito nada tão difícil, foi meu grande teste de fogo, e qual foi o meu segredo? Não me deixar paralisar pelo meu gênero. Eu nunca parei e fiquei pensando ‘eu sou mulher, será que vão me respeitar?’. Eles vão ter que me respeitar, porque eu lidero a planta. 

Houveram pessoas que não me escutaram, e tiveram que escutar. Houveram pessoas que não acreditaram, mas tiveram que acreditar. Mas nunca coloquei que era por conta do meu gênero, então levo isso pra vida. E acho que o que me levou para a posição onde estou hoje foi não me paralisar por conta do gênero. Se tiver que brigar nós brigaremos, se eu tiver certeza que é aquilo que funciona, eu vou brigar pelo meu posicionamento. 

No fim pode ser que cheguemos num meio termo, mas não me deixarei paralisar. Eu estava no ambiente me sentindo um deles também, não me sentia diferente, então acho que essa é a dica que eu daria para as mulheres. Não pense no seu gênero, pense na sua capacidade de mover times e processos. 

Quando você faz isso muito bem e entrega resultados, quem vai falar se você é mulher ou homem? Então acho que esse foi meu segredo e que uso até hoje como base da minha liderança e do que eu faço.”

Intermodal: Você hoje ocupa um cargo executivo dentro da empresa. Como é para você olhar para trás e ver o que mudou de lá para cá?

Gabriela Guimarães: “Os princípios não mudam, e isso é o que vai nortear sua vida sempre. Eu tive como princípio respeitar as pessoas que trabalham comigo, os clientes, e temos isso muito forte na DHL. Eu entrego DHL, pois o resultado é o que está na frente, quando o cliente nos contrata ele quer receber o produto dele no tempo certo, no prazo possível e com a qualidade correta. 

Isso não muda, a gente apenas refina os princípios, deixando-os melhores. Mas as principais mudanças acho que é o fato de que você vai aumentando sua visão gerencial, vai deixando mais apurado seu olhar estratégico, então hoje tenho muito mais facilidade de saber o caminho que temos que ir, isso fica mais apurado. 

E isso é natural, não precisamos ficar desesperadas em buscar isso, pois vem com a maturidade. a partir do momento que você faz por muito tempo a mesma coisa, que você se desafia, busca coisas novas, se conecta com o mercado. 

Hoje temos a famosa logística 4.0, que incorpora elementos tecnológicos à logística, deixando ela mais inteligente e ágil, eu sempre busquei estar conectada, mas obviamente eu fui maturando isso. Então hoje o que muda é o olhar, que se torna mais estratégico e apurado. 

Antes, há quase vinte anos, meu olhar era muito operacional e tático: eu entregava resultados, fazia um cálculo de quanto precisava entregar. A partir do momento em que fui crescendo fui aprendendo a ter esse olhar, pensar em coisas novas, desenvolver novos produtos que atendam a demanda do mercado, então isso foi o que mudou.

Intermodal: Houve alguma experiência ou pessoa que te manteve particularmente nessa trajetória de sucesso?

Gabriela Guimarães: “Tive algumas. Infelizmente na minha trajetórias nunca tive chefes mulheres enquanto estive na operação. Quando transicionei para áreas mais estratégicas, como de Startups e Novos Negócios, e na área que estou agora, que se chama Excelência Operacional, aí sim eu tive contato com grandes mulheres que me inspiraram e que com certeza são parte da minha jornada. 

Mas talvez o período mais crítico foi quando eu estava no setor automotivo, nos meus primeiros dez anos na logística, eu tive um chefe que era muito duro, e o que eu achava mais interessante é que ele era duro com todos que respondiam a ele, inclusive eu, o que foi muito importante. 

Eu já tive essa visão de que não precisava pensar muito por ser mulher, mas sim de que tinha que entregar resultados. Ele me ajudou muito a me ver igualitária quando olhava para meus pares, que eram todos homens. Eu era, e fui até hoje a única mulher que liderou uma linha de produção automotiva na DHL. 

Então imagina, eu olhava meus pares, que são profissionais de muita competência os quais admiro até hoje, mas esse meu chefe em particular ele cobrava resultados de alto nível de todos, era exigente, e fazia o mesmo comigo, o que foi muito importante, pois já pensou se ele fizesse isso com todos e quando chegasse em mim, que sou mulher, que errava também como todo ser humano, ele fosse mais brando? E ele falava ‘aqui todos são iguais’, e ele me ajudou a ver isso. 

Eu agradeço e falo muito sobre ele no meu próprio time, pois é assim que ajudamos as pessoas. Começamos a entrar em um tema de diversidade e inclusão, pois na diversidade você traz mulheres, pessoas pretas, pessoas com outras diferenças, criando um ambiente diverso, mas inclusão é outro caminho. Você pode ter a diversidade e não ser um ambiente inclusive, e ele me fazia estar em um ambiente inclusivo, tendo sido minha grande referência de liderança.”

Intermodal: Você considera que o setor de logística ainda tem uma predominância masculina, e que ainda enfrenta aspectos como o machismo?

Gabriela Guimarães: “Distinção eu acho que de forma direta não existe, mas ainda levará um tempo para reduzir essa predominância masculina no setor logística. As pessoas vão crescendo nas suas carreiras, então você começa como coordenador, supervisor, e nesse público ainda temos dificuldades de ter mais mulheres, justamente porque são pessoas que ficam mais presas às operações.

Então acho que essa é a grande dificuldade das empresas de logística, em como criar um ambiente que as mulheres queiram vir formar essa carreira e chegar até posições como vice-presidência. Não é fácil, você precisa fazer isso desde a base da pirâmide até o topo. Não acho que isso esteja relacionado ao machismo. Pode existir? É claro que pode. 

Provavelmente em nossa carreira vamos encontrar homens que olham e falam ‘não vou negociar com uma mulher’, mas vou repetir o que disse quando falei da minha experiência no setor automotivo: o ponto é como você vê a situação. Eu nunca coloquei meus olhos e minha atenção isso, eu colocava o foco no que eu tinha que entregar, e eu entregava, seja com alguém que tinha comportamento machista ou não. 

Esse é o ponto para as mulheres: não se paralise. Não posso afirmar que você não vai enfrentar isso, ainda vai levar um certo tempo, mas se você se paralisar nisso, será uma pena. Toca a vida, entrega seu resultado e vai removendo essas barreiras da frente, pois com certeza vai dar certo.”

Intermodal: O olhar feminino faz diferença neste setor? Na sua visão, como as mulheres vêm transformando o mercado logístico e de supply chain para melhor?

Gabriela Guimarães: “Faz demais. Eu lembro que fui uma das primeiras líderes operacionais, no chão de fábrica, a começar a trazer operadoras de empilhadeira mulheres, lá em São Bernardo, e era difícil de encontrar. E eu comecei a buscar, pois queria mulheres, por uma única razão: eu tinha um processo de movimentação de motores, e o motor em si é bastante resistente, você pode passar por uma lombada, bater em um paralelepípedo que você não terá problemas com o motor. 

Mas eu tinha muito problema de avarias quando posicionava esse motor na linha de produção. E eu pensei ‘eu sei como resolver isso, vou colocar mulheres’, pois as mulheres são mais cuidadosas, elas podem até começar mais devagar, e foi o que aconteceu. 

Eu perdi produtividade, o processo era mais lento, mas isso durou pouco tempo. Na hora que elas pegaram o domínio elas tinham a mesma produtividade com maior atenção e qualidade. Então isso é um exemplo, como também em conferentes. 

O homem não tem capacidade? É claro que tem, existem conferentes homens espetaculares, mas para processos de conferência mais minuciosos eu vou buscar uma mulher, assim como em auditoria, inventário, isso falando de execução. Mas como liderança, a sensibilidade que a mulher coloca, eu acho que somos muito objetivas. 

Você vê em um contrato cada um querendo colocar o seu risco, e pensamos no nosso dia a dia, levar o filho na escola, ir ao supermercado, ir para a academia, então aprendemos pela nossa rotina que você precisa colocar riscos básicos. 

E vejo isso, somos mais práticas, conseguimos nos comprometer, e falo isso como Gabriela, mas vejo isso em outras mulheres, de assumir mais riscos, e tendo a pessoa certa com o time correto, conseguir e fazer. E a mulher, quando fala que vai fazer, nós vamos e fazemos. 

Acho que essa questão de dar a palavra, nós podemos nos dobrar, mas vamos entregar. Acho que são características muito peculiares femininas, e estamos ensinando também os homens disso, é uma troca.

Intermodal: Se você pudesse conversar com alguma mulher, seja no âmbito profissional ou pessoal, com quem você falaria?

Gabriela Guimarães: “Eu tenho muitas mulheres no meu time, e tenho muito orgulho disso. Minhas áreas mais críticas são geridas por mulheres, e eu falaria com elas. Tenho uma área de startups, dedicada a começar novos negócios, que é gerida por uma mulher, e outra de segurança em que gerenciamos mais de 17 mil pessoas pelo Brasil todo, então você imagina o risco. 

Então eu falaria para elas. Eu tenho muito orgulho de dizer que pude trazer mulheres em quem eu confio na capacidade, na resiliência e na vontade de fazer diferente, em falar ‘eu vou mudar essa área’, e elas foram lá e mudaram. 

Eu tenho orgulho de tê-las em meu time, empoderadas, coordenando outros homens e mulheres de forma brilhante. É muito bonito de ver, e fico cheia de orgulho de vê-las atuando no dia a dia.”