O Minutos Corporativos também está no especial Mulheres na Logística, e para o episódio mais que especial nós recebemos Jaqueline Lopes, que é oficial da Marinha Mercante e comandante da Norsul.

Intermodal: Jaqueline, obrigada por falar conosco. Para começar, como surgiu seu desejo de ser uma oficial da Marinha Mercante:

Jaqueline Lopes: “Esse desejo surgiu quando eu estava completando na época o segundo colegial, ainda adolescente, tentando identificar qual carreira eu ia seguir. 

Minha mãe me apresentou ao concurso da Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante, e na época eu estudava em Lençóis Paulistas, no interior de São Paulo, e foi uma oportunidade que eu tive de prestar o concurso na Capitania Fluvial de Barra Bonita.

A partir dali foi meu primeiro contato com essa carreira, e onde surgiu esse amor à primeira vista. Esse primeiro contato foi no ano de 1999, e comecei a me preparar. No ano de 2000 eu prestei o concurso, e em 2001 eu ingressei na EFOMM que fica localizada em Belém do Pará, e no segundo ano eu consegui a transferência e acabei concluindo o curso no Rio de Janeiro.”

Intermodal: Há vinte anos esse setor era ainda mais masculino do que agora?

Jaqueline Lopes: “Com certeza. A minha turma foi a quinta de mulheres na Marinha Mercante, então era tudo muito novo, muito desafiador para todas nós, desde o ingresso na escola de formação até o momento em que começamos a embarcar de fato para fazer o período de instrução no mar e concluir o curso. 

Tudo foi muita novidade, não só para nós mulheres, como também para os marítimos embarcados, pois eram mulheres ingressando em um ambiente totalmente dominado por homens. Então foram grandes desafios e paradigmas que fomos vencendo ao longo desses vinte anos.”

Intermodal: Em 2004 você se formou em Ciências Náuticas pela Escola de Formação da Marinha Mercante, sendo reconhecida pelo seu desempenho. Em algum momento você chegou a ter dúvidas se queria seguir essa carreira?

Jaqueline Lopes: “Nunca tive dúvidas. A partir do momento que eu ingressei na EFOMM eu senti que ali eu estava em um ambiente no qual iria me trazer uma satisfação imensa para minha carreira profissional. Eu sempre tive ciência de que seria um processo desafiador e gradual, até mesmo porque as mulheres eram recém ingressadas na Marinha Mercante, então como a minha trajetória sempre foi pela superação e determinação, isso foi algo mais motivador para mim.

Eu sempre tive dentro de mim a busca e a certeza de conseguir conquistar condições de igualdade, direitos e ascensão de carreira, pois sabemos que para nós mulheres, e a história demonstra isso, é uma trajetória de conquistas. 

E de que forma eu iria conseguir chegar ao cargo mais elevado da Marinha Mercante? Com meus méritos e minha competência, então sempre tive isso dentro de mim, e tenho uma gratidão enorme à Norsul e a todos os oficiais que tive a oportunidade de embarcar e aprender de fato a navegação e colocar em prática o que eu estudei, assim como pelas oportunidades a mim oferecidas.

Quando a gente ingressa em um mundo bastante masculino, por vezes nos deparamos com questionamentos, pessoas que duvidam de seu potencial e capacidade, e eu tive a sorte de estar ao lado sempre de pessoas que me deram oportunidades para eu colocar em prática o que eu sabia, e isso é muito gratificante. Como qualquer profissional, você ser abraçada dessa forma e conseguir galgar estágios, etapa por etapa até alcançar o cargo mais elevado é uma honra.”

Intermodal: Como foi para você embarcar nesse ambiente tradicionalmente ocupado por homens? Quais desafios encontrou no caminho?

Jaqueline Lopes: “Foram muitos desafios, desde a parte de treinamento, enfim, foram muitos desafios desde o princípio. Mas ao ingressar na Norsul, quando decidi fazer meu período de instrução no mar lá, eu sempre tive o foco de que iria embarcar e navegar os vários mares pelo mundo. 

Então eu selecionei a Norsul, tive essa oportunidade de optar pela empresa, e na época ela tinha navios que faziam viagens ao exterior, e pra mim foi um grande aprendizado navegar a América do Norte, América Central, Mar Mediterrâneo, Canal da Mancha, enfim, eu tive excelentes oportunidades para desbravar os mares e com certeza isso foi fundamental para minha evolução como ser humano e como profissional também.”

Intermodal: Como o olhar feminino, muitas vezes mais delicado e atencioso, pode fazer a diferença nesse setor?

Jaqueline Lopes: “Eu acho que ingressar em um mundo bastante masculino já foi um grande avanço que a Marinha Mercante teve, porque acho que a liderança exercida pela mulher é diferenciada no viés diário. A sutileza da mulher, porque precisamos da coragem e a sutileza da mulher, então acredito que o dia a dia vai formando um perfil de liderança muito positivo em qualquer empresa.

Apesar de qualquer coisa a gente trabalha com pessoas, e elas necessitam de um olhar diferenciado, mais humano, e a mulher faz a diferença, e foi o que fez a diferença para a minha carreira. Eu sempre fui uma pessoa muito focada, determinada nos meus objetivos, e sempre busquei manter minhas ações diárias sem apego e sem avesso. 

Acho que faz a diferença a gente respeitar as diferenças no ambiente de trabalho, e ter o foco, a coragem, assumir de fato o protagonismo dentro de uma empresa. E isso é muito bacana quando você olha para trás e identifica que ali você deixou um legado. 

Eu sempre trouxe comigo essa determinação e foco, e sempre gostei de compartilhar conhecimento, então a felicidade de fazer aquilo que você gosta e colocar em prática o que você estudou no período de academia, e principalmente ter a honra de fazer parte de uma verdadeira equipe, que nunca se deixa de abalar em situações de derrotas e nem se vangloriar demais nas vitórias.

Uma equipe que sempre manteve um foco e sempre teve a ciência e determinação para unir os esforços e conquistar os objetivos dentro de uma empresa e na vida pessoal também. Acho que é uma vitória para todas nós mulheres, acho que nós temos essa qualidade e quando somamos com as qualidades de outras pessoas a empresa como um todo só tem a ganhar com essa diversidade.”

Intermodal: O número de mulheres que ocupam cargos de liderança em empresas ainda é inferior ao de homens. Como uma líder, como você acredita que essa realidade pode ser transformada?

Jaqueline Lopes: “Eu acho que na sociedade nós temos alguns exemplos de mulheres que conseguiram alcançar cargos de liderança e que são inspiradoras para muitas outras mulheres, inclusive para mim. Eu acredito que cada uma deve acreditar no seu potencial.

Hoje em dia nós temos que ter coragem para superar os desafios que são diários na nossa vida. Normalmente a gente se depara com pessoas que acabam duvidando do seu potencial, da sua capacidade e competência, e uma coisa que sempre tive comigo foi respeitar os meus princípios e valores. E diante das dificuldades foram sempre esses princípios e valores que serviram como um pilar de sustentação para eu me manter firme no foco e conseguir alcançar os meus objetivos.

Eu acho que é acreditar nos seus sonhos, no seu potencial, porque nós precisamos de mulheres que tenham coragem e sejam empoderadas, e se nós soubermos utilizar essa qualidade que nós temos, a gente consegue formar uma grande carreira profissional.

Então como líder, eu sempre tive dentro de mim a condição de não me acomodar, de sempre correr atrás, buscar conhecer coisas novas, aprender com todos, independente do nível hierárquico, na vida nós estamos em constante aprendizado, e a humildade de falar ‘não sei, me ajuda’, independente da pessoa que está ao seu lado, então eu acho que é mais ou menos por aí.

A mulher tem essa sutileza, e ela consegue sim alcançar cargos importantes, que aliás eu acho que o mundo hoje está pedindo por essa sutileza e coragem de uma mulher que fale e que tenha esse poder de sustentar as suas opiniões e tomadas de decisões.

Quando falamos da palavra empoderamento feminino, acho que podemos fazer uma comparação porque qual é o contexto? De acreditar em si, no seu potencial. Os paradigmas vão continuar existindo, mas independente de idade, raça ou qualquer tipo de diferença, nós temos condições de igualdade e habilidade, competência, e o mais gratificante de tudo é quando você consegue construir uma carreira profissional e deixar seu legado. 

Acho que isso é o fator mais motivador e gratificante para qualquer profissional. Eu deixei a carreira no mar, e foi muito bacana a forma com a qual eu saí, porque eu senti no olhar de cada um dos meus tripulantes aquele olhar de gratidão, sabendo que eu deixei meu legado e eles aprenderam pelo menos um pouco comigo, e eu aprendi muito com cada um deles.

Hoje em terra, já estou atuando em outras áreas, e essa sensação continua a mesma. No seu dia a dia, você fazer a diferença e poder deixar um legado para todas as pessoas que fizeram ou que fazem parte da sua vida profissional.”

Intermodal: Se você pudesse conversar sobre sua vida com uma mulher, seja no âmbito profissional ou pessoal, com quem você falaria?

Jaqueline Lopes: “Não tenho como não pensar na minha mãe, se eu tivesse a oportunidade hoje seria fundamental. Mas trazendo para nossa realidade, eu tenho comigo, desde a minha época de adolescência, uma mulher que tem um perfil muito semelhante ao meu, uma carreira de superação, de vitória e de dedicação que é a Hortência. Então eu a menciono sempre. 

Eu tive a oportunidade de acompanhar a carreira dela enquanto atleta, e tive a oportunidade de conhecê-la, então eu a menciono como um grande exemplo não só para a minha vida, mas para a vida de muitas mulheres. Um exemplo de garra, de superação, uma pessoa que saiu do interior de São Paulo e teve uma carreira de grande sucesso que é a dela. Então eu a considero um grande exemplo, uma pessoa que me inspira até hoje. Ela é uma grande inspiração na minha carreira.”